Conflito deixa corpos nas ruas e hospitais lotados na capital do Sudão

Cartum – Ibrahim Mohammed descobriu no sábado (22) que seu vizinho da enfermaria do hospital havia morrido. Três dias depois, sufocado pelo cheiro do corpo em decomposição, foi obrigado a deixar o hospital em meio às balas que ressoavam ao seu redor. Em Cartum, a guerra entre os dois generais que disputam o poder acabou com um sistema de saúde já fragilizado, em um país castigado por décadas de guerras e sanções internacionais.

Depois de mais de uma semana de guerra aberta no centro da capital de mais de cinco milhões de habitantes, pacientes e médicos descrevem o horror absoluto. Mohammed Ibrahim, de 62 anos, visitava regularmente seu filho Ibrahim, de 25 anos, no hospital onde ele recebia tratamento para leucemia.

No sábado, 15 de abril, sua provação tomou um novo rumo com a morte do jovem com quem dividia o quarto. Ele morreu “mas o corpo foi deixado lá por causa dos combates”, disse o pai à AFP.

“Necrotérios lotados”

Para o médico Attiya Abdalah, secretário-geral do sindicato dos médicos, cenas como essa não são incomuns no Sudão em meio ao caos. “Corpos em decomposição permanecem nos quartos de hospitais” por falta de capacidade para transferi-los. “Os necrotérios estão lotados, os corpos cobrem as ruas, até os hospitais que atendem os feridos podem ser obrigados a parar tudo a qualquer momento”, declara, exausto.

O fogo cruzado por toda a cidade não poupa médicos, pacientes nem hospitais. “Ou ficávamos no meio do cheiro pútrido ou saíamos para levar um tiro”, diz Mohammed Ibrahim. Finalmente, a administração do hospital resolveu o dilema de seu filho. “Eles nos disseram para ir embora por causa dos combates e porque estavam atirando no hospital”, disse o pai.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou no domingo que conforme oistrou “oito mortos e dois feridos” entre os profissionais da saúde. No total, de acordo com o sindicato médico, 13 hospitais foram bombardeados e outros 19 obrigados a fechar por falta de material ou porque foram tomados pelos combatentes.

“Somos forçados a mandar pacientes para casa porque correm o risco de serem baleados e mortos”, diz o doutor Abdalah.

Mohammed Ibrahim teve que carregar o filho doente nos braços, “a pé, sob o fogo e em meio aos combates”, durante cinco horas até conseguir chegar em casa, onde Ibrahim terá que ficar, porque 75% dos hospitais estão fora de serviço, diz o médico Abdallah.

Dois médicos por hospital

Com tudo racionado nos hospitais de Cartum e em outras regiões imersas em combates, “faltam equipamentos médicos e cirúrgicos, combustível para geradores, ambulâncias, bolsas de sangue”, relata o médico Abdallah. “Em alguns hospitais, é a mesma equipe médica que trabalha sem parar desde 15 de abril. Em algumas instituições há apenas um cirurgião, às vezes sobram apenas dois médicos para todo o hospital”, continua.

E todos os apelos por uma trégua humanitária ou pela abertura de corredores seguros não mudaram nada até agora. Os profissionais da saúde são atacados com frequência, denuncia a ONU, e os hospitais não são mais os santuários respeitados por combatentes lançados em uma luta até a morte.

Nas redes sociais, os moradores tentam se organizar para encontrar remédios para seus familiares com doenças crônicas. Mas os estoques estão diminuindo e o Unicef alerta que os combates e cortes de energia podem acabar com um suprimento de US$ 40 milhões (R$ 201,9 milhões, na cotação atual) em insulina e vacinas no país.

Na sexta-feira, após a violação de outro cessar-fogo prometido, o sindicato médico explicou no Facebook como lidar, mover e enterrar um corpo em decomposição.

Luta pelo poder

O conflito no Sudão envolve o comandante do Exército, general Abdel Fatah al Burhan, líder de fato do país, e seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como “Hemedti”, comandante das Forças de Apoio Rápido (FAR). Em outubro de 2021, eles se juntaram para dar um golpe que tirou os civis do poder.

Agora, as tropas dos dois generais estão numa disputa feroz sobre os planos de integração das FAR ao exército oficial, uma condição crucial do acordo final para a retomada da transição democrática no Sudão. Desde o sábado (15), intensos tiroteios não param no país e acabam vitimando inúmeros civis.

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