O aniversário de 37 anos de Edgar Alves de Andrade, o Doca, em 2007, foi marcado por 11 horas de tiroteio: em uma casa, no interior da Vila Cruzeiro, o então gerente-geral do tráfico na favela foi preso pela primeira vez, ao lado de oito comparsas. De mãos para o alto, o grupo se entregou com o fim da munição.
O criminoso, ao chegar em Bangu 3, reduto do Comando Vermelho na prisão, foi abraçado por Wilton Quintanilha, o Abelha, um dos integrantes da cúpula da facção. A parceria no crime e na amizade se mantém até os dias atuais e ultrapassa os limites do Complexo da Penha, conjunto palco na quarta-feira, dia 25, da segunda operação mais letal da história do Rio: além de influenciar outras favelas, a dupla é campeã em homenagens em funks e até em danças no TikTok. A mais recente do aplicativo, na última semana, alcançou quase 300 mil gravações.
Mas o quê levou Doca, que só entrou no crime após os 25 anos, à popularidade e a ser alçado líder na Vila Cruzeiro foi a mistura de temor com assistencialismo: o traficante possui, de acordo com a polícia, um dos perfis mais violentos da facção e, ao mesmo tempo, faz frequentes boas ações aos moradores. Na Páscoa fez doação de brinquedos, chocolates e sorteou motos.
Mais velho de seis filhos, Doca emigrou da cidade de Caiçara, na Paraíba, ainda criança, para o Rio. Morando na Penha, tinha proximidade com traficantes e, por um período, optou por trabalhar como assistente de cozinha em um restaurante na Zona Sul. Para o crime teve o apadrinhamento de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, morto ano passado. Em sua homenagem, ele utiliza a foto do traficante, conhecido pelo assassinato do jornalista Tim Lopes, em aplicativos de conversas.
Evadido do sistema prisional desde 2017, já tem 77 anotações criminais e, segundo fontes policiais, passou a administrar a Vila Cruzeiro para Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, outro integrante da cúpula. Já a renda de bocas de fumo na Baixada Fluminense seria dele.
Por conta disso, foi indiciado no assassinato dos três meninos do Castellar, em Belford Roxo, no ano passado. No inquérito, uma testemunha afirmou que ouviu de Wille de Castro, o Stala, um dos executores, dizer que tinha permissão de Doca para o crime. Stala foi morto pelas mãos do próprio Doca, após o caso ganhar repercussão nacional. Ele também teria torturado e assassinado outros envolvidos no crime.
Operação vazou e dupla fugiu para Rocinha; até em Búzios eles já foram.
Há uma semana, Doca dançava ao lado de Abelha em um baile na Rocinha. No pescoço, segundo testemunhas, ele usava um cordão em referência a outro apelido que possui: o Urso. Além deles, estavam outros chefes do Comando Vermelho.
A alcunha de Urso ocorreu após seguidas invasões comandadas por Doca a favelas do Terceiro Comando Puro (TCP), pertencentes a Álvaro Rosa, o Peixão, que causaram inúmeras mortes. Urso, na cadeia alimentar, tem o peixe como alimento. Traficantes passaram a usar o emoji do animal em sua homenagem, principalmente em redes sociais, onde se auto-intitulam da Tropa do Mel (referência ao Abelha) ou Tropa do Urso.
É o caso de um traficante que está sendo investigado por participação no ataque a um segurança (que não resistiu) e a um policial, em Oswaldo Cruz, na sexta-feira. Internado no hospital após ser baleado, em suas redes sociais ele tinha seu nome seguido da referência à Tropa do Urso. Segundo um investigador, a participação de Doca no ataque será apurada.
Por muitos anos, Doca usou o cabelo comprido, o que fez seus seguranças adotarem o estilo. Além disso, eles gostam de utilizar dentes de ouro, o que seria uma marca de status na hierarquia do crime. É o caso do traficante conhecido como Boca Rica, que atua no Quitungo. A interlocutores, Doca gosta de repetir a frase: “sou o mal necessário”, como justificativa para seus crimes.
Não foi a primeira vez que Abelha e Doca saíram da Penha para a Rocinha, mas essa última teve uma peculiaridade: a polícia já sabe que eles foram avisados de que uma grande operação ocorreria na Penha. A dupla preferiu, então, fugir para a favela da Zona Sul, que possui mais fuzis.
Um celular de Abelha, que era monitorado até o dia 11 de fevereiro, quando parou de funcionar, apontou que o criminoso chegou a ir, por diversas vezes, no ano passado, no Catumbi, na Rocinha e até em Barra de Guaratiba, em um sítio. O rastreamento não ocorre em tempo real, o que dificulta a prisão. A polícia também acredita que a dupla passou pelo menos cinco dias no balneário de Búzios.
Na mesma época em que houve a morte dos meninos de Belford Roxo ocorreu o feminicídio de Bianca Lourenço, 24, na Penha. A polícia descobriu que ela foi morta pelo ex-namorado, Dalton Vieira Santana, traficante subordinado a Doca. Ele matou Bianca por ela não querer mais o relacionamento. A jovem foi torturada antes de morrer, após ir visitar uma amiga na comunidade.
Segundo a Justiça, Doca é apontado como responsável por ter autorizado o assassinato e fornecer as informações para o crime ser realizado. Quando Doca e Dalton já estavam denunciados para ir ao banco de réus, uma série de Disque-Denúncias apontou que os dois sempre se encontravam no Baile da Gaiola, na comunidade.
O traficante Doca também chegou a ser investigado pelo rapto do helicóptero, em setembro de 2021, que pretendia resgatar presos de Bangu. Isso porque a dupla que obrigou o piloto a ir até as proximidades do presídio fugiu para a Vila Cruzeiro um dia depois, sendo orientada a procurar refúgio na Rocinha. No entanto, a polícia não encontrou participação direta dele no crime e, por isso, ele não foi indiciado.
Informações sobre o traficante podem ser passadas ao Disque-Denúncia pelo telefone 2253-1177.